Farmacêutico News - O essencial do ESMO em cancro do pulmão e da mama

Num novo formato de conversa desenvolvido pela News Farma, Telma Sequeira, pneumologista do IPO Lisboa, Rita Sousa, oncologista do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, comentaram os avanços terapêuticos, bem como respetivas atualizações que foram divulgadas no congresso da ESMO que se realizou em Madrid entre os dias 20 e 24 de outubro de 2023. As especialistas resumiram assim o essencial do ESMO, para as áreas do pulmão e da mama, respetivamente. Selpercatinib em doentes com CPNPC avançado ou metastático com mutação da proteína RET A pneumologista do IPO de Lisboa, Telma Sequeira, referiu que “a apresentação do ensaio clínico Libreto-431 foi fundamental”, uma vez que representava uma unmeet need em doentes com cancro do pulmão de não pequenas células (CPNPC). Neste ensaio foi avaliado em 1.ª linha o selpercatinib, um inibidor de tirosina cinase, por comparação com o standard of care (SOC) atual (quimioterapia), com ou sem imunoterapia. Os dados apresentados foram de uma mediana de sobrevivência livre de progressão (PFS) de 24 meses para o selpercatinib versus 11 meses para o braço da quimioterapia. Em termos de PFS, como comentou Telma Sequeira: “estamos a falar de um HR inferior a 0,50, em que no total de doentes sob quimioterapia, com ou sem imunoterapia, 81 % destes fizeram a combinação de quimioterapia com imunoterapia. Na análise de PFS por comparação de doentes que realizaram quimioterapia isolada ou quimioterapia com imunoterapia não se verificaram alterações. Os dados deste ensaio contribuíram para esclarecer que a adição de imunoterapia não acrescenta benefício neste grupo de doentes.” Adicionalmente, as taxas de resposta intracraniana mostraram que as taxas do braço de selpercatinib “são francamente superiores (≈ 80 %) por comparação com o braço da quimioterapia (≈ 50 %)”, acrescentou a pneumologista. Telma Sequeira concluiu referindo que o perfil de toxicidade se mostrou perfeitamente manejável e tolerável, uma vez que “não se apresentou nenhuma novidade em termos de efeitos secundários que nos pudesse alarmar". Em suma, o selpercatinib demostrou ser um fármaco com toxicidade manejável, tolerável e em que a sua utilização como terapêutica resultou numa PFS superior. Mariposa-2: avaliação da combinação do amivantamab e quimioterapia com/sem lazertinib em CPNPC avançado com mutação EGFR O ensaio Mariposa-2 incluiu uma subpopulação de doentes com CPNPC com mutação EGFR, nomeadamente mutações nos exões 19 e 21. Estes doentes representavam doentes com progressão de doença sob terapêutica standard of care (osimertinib). Este estudo clínico recrutou 657 doentes randomizados para três braços: a combinação de amivantamab, lazertinib e quimioterapia (tripleto) versus quimioterapia, versus amivantamab e quimioterapia (dupleto). O endpoint primário deste estudo foi a PFS e os dados mostraram “que tanto a combinação de amivantamab, lazerinib e quimioterapia bem como a de amivantamab e quimioterapia são superiores por comparação com a quimioterapia isolada”, esclareceu Telma Sequeira. No entanto, a comparação do tripleto terapêutico com o dupleto não demonstrou ser superior, pelo que “indicia qual a combinação mais propícia a ser utilizada”. Os dados originaram uma mediana de PFS de 6,3 meses por comparação com os 4,2 meses no braço de quimioterapia isolada (HR 0,48). As taxas de resposta objetiva na combinação de amivantamab e quimioterapia foram de 64 %, contra 36 % na quimioterapia isolada. A pneumologista relembrou que estes doentes são multitratados, pelo que estes resultados são “particularmente interessantes”. Em termos de PFS intracraniana, que corresponde um novo dado a destacar, “resultou numa diminuição de risco de progressão intracraniana ou morte por progressão intracraniana em 43 %”, referiu Telma Sequeira. Os doentes com estas neoplasias progridem, em particular, nesta localização do sistema nervoso central. Em termos de perfil de segurança, a combinação tripla apresenta uma toxicidade considerável, com efeitos adversos de grau três ou superior em mais de 90 % dos doentes. Portanto, esta combinação resulta numa toxicidade considerável para a eficácia apresentada. Por sua vez, a combinação de amivantamab com quimioterapia permitiu um maior controlo dos efeitos adversos. Em termos de descontinuidade terapêutica, o dupleto resultou somente em 18 % dos doentes. MARIPOSA: avaliação da combinação de amivantamab e lazertinib versus osimertinib em CPNPC localmente avançado ou metastático A combinação de amivantamab e lazertinib foi avaliada em 1.ª linha, novamente, em doentes com CPNPC e mutação EGFR nos exões 19 e 21. Este ensaio incluiu 1.074 doentes randomizados em três braços terapêuticos: amivantamab+lazertinib versus osimertinib (SOC) versus lazertinib. O endpoint primário (PFS) apresentou uma mediana de ≈24 meses na combinação de amivantamab e lazertinib versus 16,6 meses de osimertinib, ou seja, o braço comparador (HR 0,70). Em termos de respostas objetivas, a combinação terapêutica resultou em taxas de 86 % contra 85 % no braço do osimertinib. Esta análise corresponde a uma primeira análise interina, pelo que a sobrevivência global (OS) ainda está imatura e apresentou-se, para já, ainda negativa. O perfil de segurança de combinação de amivantamab e lazertinib apresentou um efeito cumulativo de toxicidade de eventos adversos por comparação o braço do osimertinib. Perante estes dados, Telma Sequeira salientou que “precisamos de dados mais maduros, para percebermos se esta combinação terapêutica vai efetivamente modificar o SOC. Mas não obstante, é um ensaio com resultados bastante interessante”. PAPILLON: amivantamab e quimioterapia em doentes com CPNPC mutação EGFR no exão 20 Este estudo clínico em doentes com CPNPC com mutação no gene EGFR no exão 20 foi apresentado também numa sessão plenária do congresso da ESMO e os resultados vieram impactar o paradigma terapêutico. Este subgrupo de doentes, com mutação EGFR no exão 20 não respondem a terapêuticas com TKI de 3.ª geração do mesmo modo que doentes com CPNPC com mutações EGFR nos outros exões. Esta necessidade terapêutica é destacada pela pneumologista, referindo que a quimioterapia se mantém como o SOC, numa população de doentes que, “nós, especialistas, gostaríamos de ter uma terapêutica alvo à semelhança dos outros doentes. E, portanto, este foi um ensaio sem dúvida muito aguardado”, salientou. Um total de 308 doentes foram randomizados para a combinação de amivantamab com quimioterapia versus quimioterapia isolada (SOC), com possibilidade de crossover terapêutico se acontecesse progressão da doença. O endpoint primário foi a PFS, cuja mediana registou 11,4 meses versus seis meses no braço da quimioterapia (HR 0,39). A combinação teve 73 % de taxa de resposta objetiva contra 47 % do braço de quimioterapia. Sobre este estudo, a pneumologista afirmou que “um outro dado particularmente interessante foi a apresentação da PFS2”, ou seja, dos doentes que realizaram a combinação de amivantamab e quimioterapia, mesmo após a progressão da doença, e que se “mantiveram sem resposta durante mais tempo, comparativamente com aqueles que fazem apenas quimioterapia”, doentes esses que acabam por falecer aquando a progressão da doença. Em termos de perfil toxicidade, a combinação em termos de efeitos adversos de grau três ou superior rondou os 75 %, demostrando que “acaba por haver uma toxicidade cumulativa” da junção do amivantamab com a quimioterapia. Não obstante, “é manejável e a taxa de suspensão terapêutica, apesar de tudo, é relativamente baixa”, considerou a especialista. ALINA: avaliação do alectinib versus SOC em doentes CPNPC ALK+ Seguindo-se o comentário ao estudo ALINA, realizado em doentes com CPNPC com expressão da cinase de linfoma anaplásico (ALK+), já sujeitos a cirurgia e que apresentavam desde o estadio IB com um tumor ≥ 4 cm até estadio IIIA. Neste estudo foram randomizados 257 doentes para dois braços: um inibidor ALK, alectinib, em adjuvante durante dois anos, ou até progressão ou até toxicidade versus quimioterapia adjuvante (SOC). O endpoint primário – sobrevivência livre de doença (DFS) – não foi atingida no braço do alectinib, contra 44 meses no braço da quimioterapia (HR 0,24). “O valor de HR bastante interessante, tendo em conta que estamos a falar de resultados em ensaios de cancro do pulmão, que normalmente não são vistos nesta magnitude. Falamos de uma redução de risco de depressão ou morte de 76 %, o que é algo bastante impactante”, expôs a pneumologista. Em termos de DFS do sistema nervoso central, existe uma grande percentagem destes doentes que progride ao nível do sistema nervoso central. Como tal, é importante impedir ou diminuir a sua taxa de recorrência ao nível do sistema nervoso central. Os resultados mostraram um gráfico praticamente horizontal e próximo dos 100 %, ou seja, “os doentes praticamente não progridem neste ano, estando livres de doença neste local”, salientou Telma Sequeira. Inclusivamente foi analisado e reportado em qual dos dois braços do estudo os doentes com maior recorrência. Os doentes com alectinib em adjuvância apresentavam uma menor taxa de recorrência sistémica e quando recidivavam era sobretudo localmente, permitindo uma melhor gestão dos doentes “numa fase mais precoce, com uma carga de doença menor”. No braço dos doentes sob quimioterapia convencional, a maior parte dos doentes que apresentaram progressão de doença foi no sistema nervoso central. Em relação ao perfil do fármaco apresentado, não se apresentou diferente de avaliações anteriores e semelhante “ao que já estamos habituados em contexto metastático”, considerou Telma Sequeira. KEYNOTE-671: Quimio-imunoterapia em doentes com CPNPC precoce Este estudo perioperatório incluiu doentes com CPNPC precoce em estadio IIA a IIIB, que foram randomizados para pembrolizumab ou placebo neoadjuvante em conjunto com quimioterapia. Após a cirurgia, os doentes foram randomizados para pembrolizumab ou placebo. Este ensaio clínico incluiu dois endpoints primários: a sobrevivência livre de eventos (EFS) e OS. Os dados apresentados correspondem a uma análise interina de maturação aos 36 meses, com uma mediana de OS de 71 % no braço do pembrolizumab dos doentes vivos contra 64 % no braço comparador (HR 72). “Aguardemos por mais dados deste ensaio mantendo a esperança que o futuro nos diga que estamos a aumentar a sobrevida destes doentes”, concluiu a pneumologista. O essencial da evidência apresentada na ESMO para o cancro da mama Encerrado o capítulo do cancro do pulmão, coube à oncologista do Hospital Santa Maria, Rita Sousa comentar uma seleção de ensaios clínicos na área do cancro da mama, que se aqui apresentam. MonarchE: 5 anos de follow-up do abemaciclib e TE em cancro da mama precoce de elevado risco Para introduzir o estudo, Rita Sousa referiu a importância de analisar a estratégia terapêutica da utilização do abemaciclib, um inibidor CDK 4/6, associado à terapêutica hormonal no tratamento do cancro da mama. A hormonoterapia é o SOC há décadas, não havendo até recentemente uma otimização com uma diferente estratégia terapêutica para doentes com maior risco de recidiva. Nestes doentes com maior risco de recidiva, nomeadamente com envolvimento ganglionar, a solução consistia em prolongar a hormonoterapia. Felizmente o aparecimento das cinases dependentes de ciclinas (CDK) para o tratamento do cancro da mama metastático mostraram ser eficazes e como tal a sua utilização também foi avaliada em estadios mais precoces da doença. O ensaio MonarchE avaliou o abemaciclib em associação com a hormonoterapia, versus hormonoterapia isolada e, recentemente, foram apresentados os dados com um follow-up de 5 anos. Os dados apresentados consolidaram “o papel do abemaciclib neste setting como terapêutica adjuvante doentes”. Com o follow-up a 5 anos, os resultados expuseram uma maior sobrevivência livre de doença invasiva (IDFS), com uma diminuição do risco de eventos de 32 % de doença invasiva e uma diminuição de 32,5 % do risco de doença invasiva à distância. Em resumo, é uma “estratégia que é extremamente válida para este grupo de doentes […] e que só veio consolidar esta estratégia no tratamento do cancro da mama” RH+/HER2- precoce, com elevado risco de recidiva com gânglios linfáticos positivos, como considerou a oncologista. No estudo MonarchE, a redução de dose foi também avaliada. No caso de terapêuticas alvo, é sempre importante haver estudos relativamente à eficácia da redução de dose, para ser realizada de forma mais segura. É importante também avaliar o perfil de toxicidade, dado que “estamos a falar de doentes assintomáticas”, comentou Rita Sousa, sendo importante para estas doentes manterem a qualidade de vida apesar de eventuais toxicidades. Neste sentido, os resultados do estudo são importantes, na medida em que a eficácia da terapêutica não é afetada pela redução de dose. E nos casos em que se apresente toxicidade, a terapêutica pode ser continuada com ajuste de dose. “O facto de podermos reduzirmos a dose permite-nos também que a doente não abandone a terapêutica por motivos de toxicidade” reiterou a especialista. Imunoterapia e quimioterapia neoadjuvantes (Checkmate 7FL (nivolumab) e MK756 (pembrolizumab)) em doentes com cancro da mama luminal Os dados de ambos os ensaios são ainda preliminares, não existindo ainda dados dos endpoints primários, que são a sobrevivência livre de eventos (EFS) e a OS. Em termos de taxas de resposta completa, os dados de ambos mostram “um aumento das taxas de resposta patológica completa no braço da imunoterapia combinada com quimioterapia versus quimioterapia”, referiu Rita Sousa. No entanto, a especialista destacou que o significado de resposta patológica completa ainda não é totalmente entendido nos tumores luminais, nomeadamente o seu impacto na sobrevivência dos doentes. Estes dados são ainda preliminares, “mas no futuro” e com mais resultados apresentados “poderemos esclarecer o lugar da imunoterapia na estratégia terapêutica neoadjuvante em doentes com cancro da mama luminal (RH+/HER2-). Conjugados de anticorpo-fármaco em cancro da mama triplo negativo Focando que o cancro da mama triplo negativo é o subtipo de cancro da mama que tem o pior prognóstico, uma vez que “são tumores mais agressivos e até recentemente, a única arma terapêutica era a quimioterapia e, portanto, estamos a falar de sobrevivências globais curtas destes doentes que muitas vezes têm doenças biologicamente mais agressivas, com uma maior incidência de metastização cerebral”, referiu Rita Sousa. A existência de novas terapêuticas, como os conjugados de anticorpo fármaco (ADC), vieram colmatar uma necessidade terapêutica que existia em termos de tratamento de doentes com cancro da mama triplo negativo. Para além dos já recomendados como terapêutica – sacituzumab govitecano e transtuzumab deruxtecano (T-DXd) – a especialista destacou um ensaio apresentado na ESMO sobre um novo ADC, o datopotamab deruxtecano (DATO-DXd). O estudo de fase Ib/II, Begonia, avaliou em 1.ª linha combinação de durvalumab com DATO-DXd versus durvalumab em doentes com cancro da mama triplo negativo, irressecável, localmente avançado e metastático. Este ensaio, com esta combinação terapêutica, mostrou “taxas de resposta em 1.ª linha em doentes com cancro da mama triplo negativo de 79 %” na combinação terapêutica. Para a oncologista, estes dados “são promissores e aguardamos dados com um maior número de doentes e com mais resultados de fármacos que vão certamente transformar por completo a sobrevivência destas doentes”. Num breve comentário à relevância das apresentações no congresso da ESMO, importa recordar que: É importante a realização destes encontros que permitem a partilha de conhecimentos e contacto entre especialistas de vários países e com diferentes experiências clínicas. Permite perceber e conhecer a atualização dos dados dos vários estudos clínicos, que podem impactar a prática clínica, seja a curto, médio ou longo prazo. Reveja O Essencial do ESMO aqui.